quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Ele vai deixar saudade...

Gustavo: passo-fundense líder de uma das gerações mais vitoriosas do vôlei visita ON e fala da prata em Pequim, da ascensão do irmão Murilo, da trajetória e da despedida da seleção


O Nacional - Como foi lidar com o descrédito e a desconfiança antes das Olimpíadas?
Gustavo Endres - Até entre nós houve um pouco de medo. Tememos muito o que aconteceu, porque pegou a gente de surpresa, o time jogou mal e tomou 3 a 0 dos EUA. Ali sentimos um pouco. Após o jogo, todo mundo se reuniu e ficamos nos perguntando o que havia acontecido. Estávamos há uma semana das Olimpíadas. Ali fizemos um pacto de não deixar aquilo acontecer de novo, aquela forma como jogamos, perder ou ganhar faz parte do esporte, mas a gente ia ter que dar o máximo do começo ao fim, não só nos jogos, mas em cada treino. Ali foi um ponto de partida, mas sentimos muito.

ON - A equipe cresceu de rendimento ao longo dos jogos. Como foi isso até a final?
GE - Tirando o Egito, que é uma seleção bem abaixo, estreamos contra eles, fomos bem e ganhamos de 3 a 0, depois pegamos a Rússia logo de cara. Ali perdemos, mas pelo menos botando pra fora, jogando mal, mas vibrando, como o Brasil joga. Contra o Polônia, a partida era decisiva. Se perdêssemos, ia ser difícil. E ali fizemos nosso melhor jogo. Um 3 a 0 para cima da Polônia, que depois ganhou da Rússia. Ali a equipe deu uma guinada boa e começou a escalada até a final.

ON - Na final, você acha que a equipe perdeu o ouro naquele no segundo set?
GE - No primeiro set eles perderam, porque erraram bastante. Conseguimos ir bem e ganhar. Depois, no segundo, o técnico norte-americano colocou o Stanley direto no saque. Ele fez 6-0 e a equipe deu uma sentida. Não pensamos que perderíamos, mas sentimos que eles estavam no jogo. Aquele set já tinha acabado. Já era passado, até para eles. Tentamos buscar de qualquer jeito, terminamos até com diferença de dois ou três pontos, então o 6-0 e a gente quase anulou. Se tivesse começado 0-0, talvez tivesse sido diferente. Depois no terceiro também lutamos ponto a ponto, só que no final eles ganharam. No quarto a mesma coisa, estávamos sempre dois pontos na frente, aí eles deram uma seqüência e nos passaram. O Bernardo tentou de tudo, mudou todo mundo, colocou o Murilo de oposto, acho, inclusive, que até se ele jogasse no meio levantando iria bem naquele jogo. Perdemos...

ON - O que faltou para o ouro: mérito dos EUA, o Brasil não jogou o que podia ou os dois?
GE - Acho que tudo. Eles têm o jogo deles, sabíamos como eles jogam, e contra nós eles jogam diferente. Tínhamos ido pro jogo com o intuito de tentar anular isso, as principais jogadas deles: o Stanley, principal atacante deles, que joga muito com bola alta, e a bola rápida pra frente, com o meia e a bola de ponto. Como temos jogadores baixos, caso do Marcelinho, que tem o bloqueio muito baixo, tentávamos mudar sempre de posição, só que é difícil com o Ball - levantador que, na minha opinião, é o melhor do mundo -, conseguindo jogar em cima do Marcelo o tempo todo. Até no bloqueio fomos bem, paramos muitas bolas. Tentamos de tudo, forçar o saque, aí errávamos, mas sabíamos que aquele era o jogo deles, acho pra nós faltou um pouco de tudo, desde o passe até o ataque, principalmente, nos aspectos em que podíamos ter sido melhores.

ON - O segundo ouro era necessário para coroar essa trajetória de 13 anos na seleção brasileira?
GE - É claro que eu preferia o ouro. Para mim, seria maravilhoso. Mas óbvio que qualquer medalha não apagaria tudo o que conquistamos nos últimos sete anos: os dois mundiais, o ouro em Atenas, seis ligas mundiais, duas copas do mundo, outros tantos títulos que conquistamos. Isso não tem como apagar. Fechar com outro ouro seria o máximo. Acho que nenhuma outra seleção conseguiu isso. Mas não deu e a prata, para mim, está ótimo, pelo que a equipe apresentou. Ela deve ser valorizada de qualquer jeito. Chegamos à final e por detalhes perdemos, então é uma medalha, inclusive teve um momento que, depois do jogo, fomos dar uma entrevista e o Oscar passou por nós e falou: 'Vocês são machos pra c..., quem dera eu ter uma medalha de prata, eu fui para cinco olimpíadas e não ganhei nenhuma...'. Então aquilo deu um alento para o time naquele momento.


ON - É importante para você se retirar da seleção no auge (é melhor bloqueio do mundo há oito anos)?
GE - Prefiro sair no meu auge. Eu parando e não parando comigo. Eu continuar e não mostrar o mesmo vôlei que venho jogando todos esses anos. Isso eu tinha em mente. Por isso parei. Porque não sei se no ano que vem ou daqui a dois anos, vou estar apresentando o mesmo vôlei.

ON - Como é manter essa regularidade, porque se manter no topo é bem mais complicado...
GE - É muito treino. Treino atrás de treino. Ano após ano você tem que fazer sempre algo a mais, e eu sempre tentei isso. O Bernardo faz isso com o time todo. Acho que o grande mérito desse time sempre foi a cada ano não parar e fazer a mesma coisa, e sim buscar sempre algo a mais.

ON - Vai ser mais fácil para a nova geração lidar com a pressão de buscar novamente o topo?
GE - Agora os EUA são a referência para todas as equipes. Antes éramos nós. Agora são eles. Mas acho que a pressão será igual, por tudo que construímos nesses últimos sete anos. A pressão em cima desses garotos vai ser muito grande. Tentamos pedir para que isso não aconteça. Porque eles têm que ter a tranqüilidade de entrar em quadra e mostrar o melhor vôlei deles. Se tiver muita pressão, isso dificulta, porque é difícil você jovem dar o seu melhor sob pressão. Depois dos 30 anos isso até é uma motivação a mais. Então acho que se deve ter muito cuidado com esses jogadores, que são muito talentosos, mas ainda não têm a experiência, quer dizer, eles não têm ainda dois ou três anos jogando o tempo todo na seleção. Então é preciso ter cuidado e dar muita força pra eles.

ON - O Murilo foi um dos que mais sentiu a derrota, porque estava superpreparado para essa Olimpíada. Como você viu a participação dele nos jogos e vê o futuro dele na seleção.
GE - Acho que foi o melhor ano dele. Nunca o vi jogar desse jeito. Em todos jogos na Olimpíada que ele entrou, decidiu. Não é porque é meu irmão, mas foi melhor que o Giba e o Dante, sempre fez o time crescer, então esse é o ponto de partida para ele na seleção. Ele vai ser o líder dessa equipe. Com a minha parada, parece que o Giba vai operar o ombro no ano que vem e vai ficar de fora. Então ele será o ponto de apoio dos mais jovens e em quem vão se espelhar. Tenho muito orgulho de tudo que ele fez esse ano. É óbvio que ele sentiu, por ele estar nessas condições, por ter sido a primeira olimpíada dele, e ele queria muito esse ouro, como todos nós, mas para ele seria especial. Disse pra ele ficar tranqüilo que no ano que vem, com certeza, ele vai jogar do primeiro jogo até 2012, e vai ser 'o cara'.

ON - De todos esses anos na seleção, é possível resumir o que de mais importante você vai guardar?
GE - O que vou guardar de especial foi o sacrifício que esse grupo fez. O dia-a-dia, o caráter desses jogadores, o orgulho de ter feito parte desse time, de ter colocado o Brasil quase sempre no lugar mais alto do pódio. Isso vai ficar dentro de mim. Atenas foi especial pelo ouro, mas não vou desmerecer Pequim por nada. Pela experiência que tenho, uma medalha de prata é muita coisa. Mas o que vai ficar realmente guardado, inesquecível dentro de mim foi o dia-a-dia com aquele grupo.

ON - E o futuro agora sem a seleção. Como vai ser?
GE - Tenho um contrato de dois anos na Itália [Sisley Treviso] e pretendo cumprir um ano mais. Vamos ver se eles me liberam para voltar para o Brasil. Já são oito anos fora. Quero encerrar aqui, ganhando um título brasileiro que ainda não tenho, tenho dois italianos e nenhum aqui. Vai ser meu objetivo daqui para a frente. Também curtir os filhos e a nova academia e nosso terceiro filho.

(fotos: Caio Guatelli/Folha Imagem)

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