quarta-feira, 18 de junho de 2008

A cor do futebol

O esporte que já foi palco de ofensas raciais em várias partes do mundo também pode servir para demonstrações de amizade e igualdade. É isso que um grupo de ex-boleiros da pequena Passo Fundo nos mostra. Há 12 anos eles mantém a tradição do amistoso entre negros e brancos. Mas quem pensa que a diferença de pele acirra a disputa se engana. Apesar da rivalidade dentro de campo, a cor representa apenas a diversidade entre amigos


Em uma reunião de amigos surgiu a idéia de, a cada final de ano, realizar um jogo de futebol festivo. Passo Fundo então também teria a sua partida de boleiros em férias. "Pensamos em fazer um Gre-Nal, um gordo contra magro... mas a gente acabou fazendo mesmo negros contra os brancos," explica um dos organizadores, o ex-jogador, e hoje professor de futsal, Anderson Silva, mais conhecido como Adílio. "Na ocasião, estávamos em 20 e os negros em apenas sete. Dentro da brincadeira topamos dividir os times assim e ficou até hoje."

Desde 1995, este foi o 13º jogo, já que em um ano houve duas partidas. "Existe uma hegemonia dos negros sobre os brancos nessa brincadeira. São cinco empates, sete vitórias dos negros e apenas uma vitória dos brancos," provoca Adílio, capitão do time negro. A maioria dos amigos que participa da festa é ligada ao futebol. Quando a brincadeira começou, praticamente todos ainda eram profissionais. Passados 12 anos, grande parte já se aposentou. "Depois de parar de jogar, alguns foram morar em outras cidades, mas geralmente nessa data eles comparecem em Passo Fundo para a festa dos amigos da bola."

Ex-boleiros


Adílio jogou no Passo Fundo, no Gaúcho e, por seis anos, no São Luiz de Ijuí. Hoje trabalha com as escolinhas de futsal do Juvenil e do Menino Deus. Formado em Educação Física, ele é exceção à regra dos boleiros e continua estudando - está fazendo pós-graduação. "Um dos motivos pelos quais eu parei de jogar foi porque eu queria voltar a estudar. Mudou muito o futebol, antigamente você fazia contrato de um ano, isso quando comecei. Passou três ou quatro anos e começaram os contratos de três meses, então você ficava empregado por um curto período e depois logo desempregava," lamenta. "Então não tinha como estabilizar para poder estudar. Então optei em parar aos 27 anos, em 2000, no Passo Fundo."

Os destaques das equipes são, pela equipe dos negros: Jairo (passou por 14, Gaúcho e Passo Fundo), Nelson, Juarez, Zé Ricardo, Corvo, Leonel (vindo do México). A maioria passou recentemente pelo Passo Fundo. Além deles o técnico do time, o preparador físico da John Deere, Nero, que passou pelas categorias de base do Gaúcho, e também é um dos criadores da festa. Pelo time dos brancos as presenças de Branco (Passo Fundo), Caio (Gaúcho), Toco (Passo Fundo e Gaúcho), Irineu e Pavão (ambos Passo Fundo).

Futebol e Passo Fundo
A maioria dos ex-jogadores só deixa a alegria de lado quando o assunto é o futebol em Passo Fundo. Adílio é um dos que mais lamenta a situação que o esporte vive na cidade. "Passo Fundo tem jeito para o futebol, mas é preciso mudar a mentalidade em muitos aspectos, desde a própria contribuição do torcedor, porque não temos uma grande empresa, então se o torcedor não comprar a briga fica difícil de ter futebol aqui. Outro ponto é que quando tem futebol fica centralizado em uma ou duas pessoas. E se elas largam, morre. Eu acho que essa é a maior dificuldade. Só vai ser feito futebol em Passo Fundo no momento em que toda a torcida apoiar. Eu jogo na várzea ainda e vários meninos têm condições, não digo de ser profissional, mas de ter uma chance de jogar futebol em um clube, de se dedicar. Depois, se vai ou não ser jogador, é outra coisa. Mas para, pelo menos, ter oportunidade, há vários."

Aquecimento
A chuva aperta, mas não esfria a animação no pré-jogo. Duas pessoas ficam responsáveis pela organização das equipes. Adílio pelo lado dos negros, e Toco pelo lado dos brancos. "Cada vez aparecem mais amigos querendo participar. Esta vez quem sabe poderíamos ter mais gente, mas a chuva, pela primeira vez, em 12 anos, resolveu aparecer," lamenta o professor. "O importante é reunir o pessoal, a maioria são ex-profissionais, alguns são conhecidos, outros não. Mas na hora da festa todo mundo é igual. E ex-jogador de futebol sabe fazer aquela festa!" brinca Toco.

No último jogo, em 2006, os brancos ganhavam por 4 a 1 e acabaram entregando. "O problema é que a gente nunca vence. Vamos ver se este ano nós conseguimos dar a volta." Toco teve passagem maior pelo Passo Fundo, mas também pelo Gaúcho, Inter de Santa Maria e Francisco Beltrão do Paraná. "Parei com 27 anos e hoje estou com 42. Mas continuo jogando amador. Não abandono o futebol," conta o ex-lateral.

Resultado


Em um jogo como esse o placar foi o menos importante. Engana-se quem pensa assim. Cordialidade à parte, assim como aqueles que nunca foram profissionais, todo mundo quer vencer. E principalmente os brancos querem a revanche. Sem perder a categoria, apesar do pouco preparo, a partida teve vários lances bonitos. Depois do 1 a 0 dos negros, os brancos viraram antes do fim do 1º tempo. No segundo, chuva. Mas de gols. Placar final: 8 a 6 para os negros e manutenção da hegemonia.

(Esta matéria foi feita dia XX de dezembro do ano passado)

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