segunda-feira, 20 de outubro de 2008

"A Lei Pelé acabou com o futebol do interior"

Futebol: em entrevista coletiva no estádio Vermelhão da Serra, o presidente da Federação Gaúcha de Futebol, Francisco Novelletto Neto, falou sobre a copa do segundo semestre, televisão, Lei Pelé e futebol do interior


- Como será o campeonato do segundo semestre?

Francisco Novelletto Neto - O início será em 17 de agosto. Temos a assembléia nesta segunda-feira. Devemos ter 25 equipes. Vinte confirmaram, sem o Passo Fundo ainda, que é a boa notícia.

Quando cheguei dei uma espiada no estádio, faz uns quatro ou cinco anos que não passo pelo Vermelhão. Chegou a dar uma dor no coração, ver um estádio desse, com capacidade para quase 20 mil lugares, não tendo um representante na primeira divisão do estado. O momento é de darmos as mãos, direção do Passo Fundo, imprensa, comunidade, empresários, e, aos poucos, formar uma base. Acredito que o momento é essa copa do segundo semestre. Não tem que entrar para ganhar. Você tem que formar um grupo para no ano que vem buscar dez atletas mais experientes e formar uma grande equipe. Não pode ter o exemplo aqui do lado, do Glória de Vacaria, que teve um investimento de mais de R$ 100 mil, com jogadores que não tinham vínculo com a cidade. Outro exemplo é o 15 de Campo Bom, que contrata um time inteiro, sem vínculo com o clube, sabendo que em três meses termina o campeonato, o clube vai fechar, os jogadores já pensam em outros contratos e acontece o que aconteceu, um baita investimento e a queda para a segunda divisão.

Então é fundamental hoje, com a Lei Pelé, onde o jogador só pensa em novo contrato, sempre querendo mais, você ter no mínimo 50% de jogadores com vínculo com o clube e com a cidade.


- Qual a possibilidade dos jogos serem realizados pelas manhãs?

FN - A televisão hoje é um mal necessário. Os grandes clubes do futebol brasileiro, e do futebol gaúcho também, vivem hoje da renda da TV, porque a da bilheteria, com os impostos e taxas, acaba sobrando pouco. Além dos ingressos estarem muito defasados. Lembro que em 1994 o ingresso para o Gauchão era R$ 10. Hoje continua o mesmo preço. Agora mesmo o presidente de um grande clube da Série C do Brasileiro me pediu permissão para baixar o ingresso para R$ 5. Então dependemos da televisão, haja vista o futebol gaúcho esse ano, onde cada clube recebeu média de R$ 350 mil em direitos. Temos que obedecer o horário da TV, ser criativos e buscar alternativas. O horário da manhã é muito bom, mas somente aos domingos. Seria uma alternativa.


- Como serão os custos para os clubes participantes?

FN - Somos conscientes das dificuldades que os clubes atravessam, então vamos bancar o campeonato novamente. A partir do ano que vem vamos construir a nova sede da federação. Então vamos passar momentos difíceis, que a federação não vai principalmente arcar com a arbitragem. Porque são custos da federação: ingresso, seguros, bolas, transferências, registros. Esses abrimos mão, o que seria nossa principal renda. Mas, além disso, pagamos a arbitragem, que em média, em uma copa do segundo semestre, com 25 clubes, custa R$ 500 mil, direto para os cofres do sindicato.

Então vamos bancar novamente e correr atrás de patrocinador. Na Segunda gastamos R$ 1 milhão e conseguimos patrocinador de R$ 100 mil. A federação teve prejuízo de R$ 900 mil. Mas não somos banco. Aplicação deixamos para o Banrisul. O que arrecadamos investimos em futebol. Conheço federações que tem R$ 22 milhões aplicados. É banco ou é uma entidade voltada para o futebol?

"Parece que o culpado de todas as coisas erradas que acontecem no nosso país é o futebol. Pelo contrário, é o maior orgulho desse país"


- Qual a importância dessa copa do segundo semestre?

FN - A copa do segundo semestre é para movimentar os clubes. Quando assumi, em 2004, houve várias reportagens de atletas profissionais sobrevivendo com cestas básicas do sindicato dos atletas. Jogava três ou quatro meses o Gauchão e não tinha mais campeonato o restante do ano. Então nós criamos a copa do segundo semestre para dar emprego, mas com a federação bancando.
Tenho um clube que é o São José (da capital). Nunca nos foi franqueado um formulário. Então não é que não existia a copa do segundo semestre, é que toda ela era custeada pelos clubes, então não havia interesse. Agora com a federação bancando estão quase 25 clubes jogando o ano inteiro. A própria segunda divisão, que é um campeonato interessante porque dá uma vaga para a primeira, se não fosse a federação bancar, viriam no máximo 10. Em um ano começaram com oito equipes e terminaram seis na Segundona. Dois desistiram na metade do caminho. E seria a realidade hoje.


- Alguns estádios não têm condições para disputa de qualquer competição. Qual a sua opinião?

FN - Existem dois ou três clubes que realmente deixam a desejar. Só que eles são conscientes. Eles podem jogar a segunda divisão e não a primeira com aqueles estádios. É o caso da Sapucaiense. Não é a federação que diz, pode ou não vetar o estádio. Eu vetei um ano o Panambi. Mas é a realidade da segunda divisão. Vou responder a mesma coisa que disse para um colega de vocês de Pelotas. Em determinado estádio ele me disse: 'presidente, esse estádio não tem condições de jogar uma segunda divisão. Olha aqui na Boca do Lobo, um estádio que oferece condições para a torcida, para a imprensa, lá tinha três cabines, nós estávamos em cinco transmitindo.' Eu respondi: é a realidade da segunda divisão. Aquele clube está certo. O que não está certo é o Pelotas. Isso vale para o Passo Fundo. Muitos dos clubes da segunda divisão estão certos, o que está errado é o Passo Fundo que não poderia estar em uma segunda divisão. Não me interpretem mal.


O Nacional - O futebol acabou no interior do estado?

FN - Se não fosse a federação eu fechava contigo. É a famigerada Lei Pelé. Quando comecei com o São José em 1994, nos primeiros cinco anos não tirei um centavo do bolso. Era empréstimo do Ernestina, que me rendeu bastante. Você tinha consumo interno. Você emprestava jogador, pagava R$ 30 mil, tinha a venda de outro, então dava para se manter. Assim fazia o Passo Fundo, o Ypiranga, todo mundo que tinha aquele atleta que o clube queria emprestar. Não era nem venda.

Agora com a Lei Pelé, para tirar o investimento é muito difícil, porque o menino até os 16 anos está livre. Depois pode fazer três anos de contrato. Mas os clubes pequenos não podem colocar uma multa rescisória alta, porque tem que pagar um salário alto, então 99% dos atletas registrados na federação, que não seja de Grêmio, Internacional e Juventude, é pelo piso. Como você vai pagar os encargos sobre um salário alto? Então os coitados do São José, do Passo Fundo, acham que o jogador está seguro na federação. Porque é 100 vezes a multa rescisória sobre o valor que ele ganha. Ainda, o atleta indo lá pedir rescisão, tem 50% de desconto. Então essa moda não pegou ainda. Você tira qualquer jogador da federação e só avisa o clube: 'estou depositando tanto do teu jogador', porque é a lei, ela dá o direito. A Lei Pelé acabou com o futebol do interior.

Parece que todas as coisas erradas que acontecem no nosso país o culpado é o futebol. Pelo contrário, é o maior orgulho desse país. Para o futebol você é vigarista, quer dar o golpe, roubar, lavar dinheiro. Não sabem o que a gente põe do bolso, por uma paixão, um vínculo com o clube, com a comunidade, com a cidade. Você acaba deixando a família de lado, afazeres, negócio, botando dinheiro do bolso, e ainda sai sendo chamado de ladrão. Eu diria que hoje roubar de um clube é história de rato de igreja: vai comer o quê? Está todo mundo quebrado, vai roubar de quem?

(Fotos: Marcelo Alexandre Becker/ON)

Entrevista publicada no dia 11 de julho deste ano.

Nenhum comentário:

Postar um comentário