Olimpíadas: o primeiro passo-fundense medalhista foi aos Jogos de Los Angeles 1984 de surpresa. Porém, a lembrança do maior título da carreira só é possível através de fotografias
Em pé, a partir da esquerda: Luiz Carlos Winck, Gilmar Rinaldi, Pinga, Ademir Kiefer, Mauro Galvão (técnico), André Luis; agachados: Paulo Santos, Dunga, Kita, Milton Cruz e Silvinho
O Brasil se orgulha de ser o único pentacampeão mundial de futebol. Mas tem um título que o país do futebol nunca conseguiu: a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos. Em duas oportunidades o sonhado pódio dourado bateu na trave: prata em 1984, em Los Angeles, e 1988, em Seul. Na primeira medalha olímpica do futebol, um passo-fundense comandando o ataque da seleção: João Leithardt Neto, ou simplesmente Kita, o primeiro medalhista olímpico da nossa cidade.
Chamado
Foi uma surpresa. O grupo era muito bom e vínhamos de uma excursão no Japão. Estávamos bem preparados. A CBF tinha montado seleções que não davam certo. Então resolveram convidar o Grêmio, que cedia os atletas, mas queria a comissão técnica junto. O Fluminense a mesma coisa. Convidaram o clube, nós estávamos de folga, e o Inter teve que reunir todo mundo de volta. Foram 11 atletas mais o preparador físico Júlio Espinosa. O restante foi completado por outros jogadores como Chicão, da Ponte Preta, Tonho, hoje técnico do Ypiranga. O técnico era o Jair Picerni.
Campanha
Nos dois primeiros jogos fiquei no banco (vitórias contra Arábia Saudita - 3 x 1, Alemanha Ocidental - 1 x 0). O Chicão não vinha bem desde os amistosos. Fui conversar com ele que se mostrou preocupado com a mulher que estava grávida no Brasil. Acho que por isso não desenvolvia direito. No terceiro jogo, contra o Marrocos, o Picerni foi dar a palestra e pediu se alguém queria falar. Eu disse que o Chicão estava atravessando um problema e que eu estava bem, além da minha equipe estar habituada a jogar comigo. Entrei no intervalo e marquei os dois gols. Aí fiquei.
Finais
Aí veio o Canadá (1 x 1 no tempo normal, 5 x 3 nos pênaltis), depois Itália (2 x 1 na prorrogação), e a final contra a França. Há dois anos eles se preparavam para 1986. Não jogou o Platini e mais três atletas. O resto foi aquela equipe que tirou o Brasil da Copa do México. Tentamos o máximo mas perdemos (2 x 0, gols de Brisson e Xuereb). Naquela Olimpíada havia sido liberado para qualquer profissional - independente da idade - desde que nenhum tivesse participado de Copas.
Desacreditados
O futebol saiu daqui desacreditado. Mas sabíamos do nosso potencial e quem estava do outro lado. Quando a gente embarcou para os EUA o Pelé nos desejou boa sorte e gostaria que a gente trouxesse para o Brasil. A gente queria, mas chegou na hora e não deu. Mas acho que fomos longe demais pelo fato do Brasil não acreditar na gente. Quando a gente foi para as quartas-de-final a Hortência e a Paula nos deixaram uma mensagem que a gente conseguisse a medalha de ouro.
Furto da medalha
Morava em Porto Alegre, deixava a medalha em um estojinho, guardadinha, exposta na sala. Em 1986 fui para Limeira e paguei um vizinho para dar uma olhada na casa. De vez em quando eu vinha. Um dia ele me ligou dizendo que a casa tinha sido assaltada. Disse que tinham levado TV e outras coisas. Eu não podia ir, mas minha mulher foi. Ela deu uma olhada e não achou a medalha. O valor financeiro não tinha, porque não era maciça, mas o valor simbólico para mim era inestimável. Anunciei, ofereci recompensa, fui atrás do comitê olímpico. Sobrou só uma foto de lembrança.
Ouro inédito
Acho que o problema nunca foi qualidade. Nessa Olimpíada o Dunga vai muito bem. Tem muito jogador bom. Agora eu vejo um futebol diferente do que era há pouco tempo. O pessoal era mais pegador, tinha mais vontade. Hoje a maioria dos jogadores não põe o pé. Só que se for analisar uma perna de um jogador são milhões. Na minha época a gente não se preocupava com isso. Só se preocupava em ganhar. E digo mais: acho que uma Olimpíada tem mais valor que Copa do Mundo. O Brasil poderia formar duas ou três seleções. O problema é fazer dar certo lá dentro de campo.
Dunga
Acho que esta indo para o lugar certo. Mas o brasileiro é mal acostumado. Acho que tem que ganhar tudo. As pessoas são muito influenciadas pela mídia, que não tem meio termo. Falta coerência. O torcedor está vendo o jogo, mas não sabe fazer uma análise. Acontece muito. Mas tanto ele, como o Jorginho, joguei com os dois (Internacional e Flamengo), tem um futuro muito grande pela frente, foram excepcionais jogadores e são excelentes pessoas. No caso do Ronaldinho, não foi o Teixeira que mandou convocar. Na verdade o presidente está resguardando o Dunga.
Craques
Essa é difícil de dizer. Peguei uns caras que jogavam muito. Zico, Sócrates, Andrade, Adílio, Mozer. Posso te dizer o cara mais habilidoso com o que eu joguei. Foi do Flamengo e não foi o Zico. Foi o Leandro, lateral. Ele brincava com as duas. O Leandro era habilidoso e defensor.
Técnico
Tive vários muito bons. O Otacílio, o Cláudio Duarte, o Rubens Minelli, o delegado Antonio Lopes. Mas nos times que joguei, eles só tinham que escalar o time. Não tinham que dizer mais nada. Pelo que se treinava, colocava em prática. Cada um sabia o que tinha que fazer em campo.
Futebol
Logo quando eu parei no Passo Fundo, o presidente perguntou se queria treinar, porque queria contratar um técnico. Eu aceitei porque estava querendo. Tinha vindo para parar. Fiquei quatro meses como treinador, mas dentro disso comecei a me mexer. Até hoje não consegui uma oportunidade, mas fazer o quê, tentei, mas depois do Passo Fundo não consegui mais nada. Tudo na vida é ruim para quem começa, e eu partia do zero. Mas é difícil, complicado o mundo do futebol.
Histórico
Kita começou com 14 anos nas categorias de base do Gaúcho, mas só se profissionalizou no rival, 14 de Julho, em 1976. Passou depois por Criciúma, Brasil de Pelotas e Juventude, onde foi artilheiro do estadual de 1983. Transferido para o Internacional foi campeão da Copa Kirin, no Japão, e tetra Gaúcho. Nessa época representou o Brasil nas Olimpíadas de Los Angeles onde foi medalha de prata. Em 1986 foi para o homônimo de Limeira, São Paulo, onde desbancou os favoritos e foi campeão paulista, além de goleador da competição. No mesmo ano foi para o Flamengo. Foi campeão da Copa União, nacional que reuniu equipes do Clube dos 13. Em 1988 voltou para Limeira e ainda passou pela Portuguesa. No ano seguinte voltou para o estado para defender o Grêmio, onde levou o título estadual e da Copa do Brasil. Depois passou por Atlético Paranaense, Figueirense, Esportivo, de Bento Gonçalves, e Guarani, de Garibaldi. Em 1994 voltou para o Passo Fundo onde encerrou a carreira.
(Foto: Arquivo Pessoal)
quinta-feira, 21 de agosto de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Muito boa reportagem Paulo, parabéns! Que bom ver um ídolo da cidade sendo reconhecido, ainda mais em um país onde grandes personagens são esquecidos diariamente. Parabéns ao Kita também, por ter chegado mais longe em uma Olimpíada do que os craques milionários e egocêntricos de hoje.
ResponderExcluir