quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Ancheta - Alma Oriental (parte 2)

Na segunda e última parte da entrevista com Ancheta, o ex-jogador fala sobre o Grêmio, o início como treinador e se emociona com o ídolos esquecidos

Paulo Roberto D'Agustini/ON

O Nacional - Como foi sua ida para o Grêmio?
Ancheta - Havia sido campeão da Libertadores e do Mundial com o Nacional. Quando voltei para Montevidéu, fui informado que estava sendo vendido para o Grêmio. Fiquei feliz. Aceitei, porque achava interessante ficar perto do Uruguai, já que naquela época zagueiro dificilmente passava do Brasil. Aproveitei a oportunidade, que era vantajosa, embora não exorbitante como os valores de hoje em dia. Como melhor zagueiro do Mundial recebi US$ 2 mil. Às vezes, as pessoas dizem que antigamente ganhava-se bem. Eu fui para o Grêmio e não consegui comprar um apartamento. Naquela época eu pensava que voltaria logo para o Uruguai. Então dei entrada em uma casa lá e fiquei cinco anos pagando prestação.

ON - Foi uma época difícil, já que o Inter dominava. Mesmo assim você foi ídolo.
Ancheta - Fiquei de 21 de novembro de 1971 até outubro de 1980. Para mim foi muito bom. Não posso dizer que foi ruim, porque assim como na vida, no esporte acontecem coisas boas e ruins. Passei de tudo. O Inter estava no auge, mas, apesar de dizerem o contrário, o nosso time era tão bom quanto o deles, tanto que perdíamos os campeonatos gaúchos por um ponto, por um clássico. Eu dificilmente deixava de jogar os clássicos, achava que por detalhes nós os perdíamos. Estava acostumado no Uruguai a ganhar e perder, mas aqui a gente só perdia. Não estava certo. Então eu sempre tinha esperança de no próximo ganhar, por isso jogava todos. Às vezes tiravam o time principal, porque tinha um jogo do campeonato nacional, mas eu não saia, não queria era estar fora do time.

ON - Quem era melhor: Ancheta ou Figueroa?
Ancheta - Isso depende de cada torcedor. As características são diferentes e as comparações sempre são importantes na vida. Digo que fomos grandes jogadores. O Figueroa era um zagueiro mais forte, e eu mais clássico, mas cada um rendendo o que poderia. Ele tinha muita qualidade também, mas usava mais a força que eu. Não tínhamos muito relacionamento, porque a própria torcida nos impedia na época. Mas sempre nos tratamos muito bem e conversávamos. Mas éramos apenas cordiais em função da rivalidade que existia, porque cada jogo era uma briga.

ON - Em 1975, apesar da proposta, você decidiu ficar.
Ancheta - O São Paulo quis me comprar e um dirigente do Grêmio chorou para mim, dizendo que eu não podia sair, que sem mim seria difícil ser campeão. Resolvi cumprir. Mas não ganhei nada a mais por isso. Acabamos sendo campeões em 1977 e 1979. O time era muito bom. Fizemos uma excursão para a Espanha e América Central e ganhamos tudo. Acredito que no futebol deveria se criar um espaço dentro da pré-temporada para esse tipo de excursão fora do país. Isso dá união, conhecimento do companheiro, que é muito importante dentro do campo também. Sempre falei para a direção do Grêmio: 'Nós temos que fazer uma excursão, vocês não sabem a união que dá ao grupo'. E o Inter saia. E o Grêmio não. Até que saímos em 1976 e deu resultado no ano seguinte. Todo clube deveria fazer isso.

ON - E a saída do Grêmio? Foi um momento complicado.
Ancheta - Foi muito triste. Em 1979 fomos campeões. Fiz o gol do campeonato. Saímos com 10 pontos à frente do Internacional. Na história acredito que nunca tenha havido tanta diferença de um rival para outro. Em 1980, o Telê [Santana] saiu e veio o Espinosa [Valdir]. Aí não sei por que, ele me afastou do time. Nunca me deu explicação e eu também nunca pedi. Como sou uma pessoa que acato ordens, não forcei nada. Mas o que me chateou muito foi que ele me deixou treinar, mas não com o plantel. Ele me tirou como se fosse um qualquer. Foi injusto pelos quase nove anos que passei no Grêmio. Até hoje a torcida reconhece que fui um jogador exemplo. Não gosto de recordar, porque me magoa muito [neste momento Ancheta faz uma pausa, seus olhos ficam marejados]. Foi muito difícil, porque eu sempre me doei, perdi de ganhar de dinheiro para ficar no Grêmio, para cumprir minha obrigação como jogador, como pessoa. Fui exemplar em toda a minha vida e vou ser sempre, porque meu comportamento vai ser sempre igual e não fui correspondido, me magoei, aceitei, me deixaram treinando quase um ano sozinho, nem com a categoria de base. Até que o Valdomiro [ex-Inter] me ligou da Colômbia, disse que precisavam de um zagueiro, que sabia que eu estava com dificuldades. Então fui pedir para me deixarem livre. Quando estava de saída, disseram que eu havia chegado 3 minutos atrasado ao treinamento e o Espinosa não queria de jeito nenhum que chegassem tarde. Ninguém saiu em minha defesa. Ninguém. Essa foi minha maior mágoa.

ON - Como foi superar isso tudo?
Ancheta - Foi duro. Fui embora para a Colômbia. Passamos um ano relativamente bom. O Millionarios tinha alguns brasileiros, mas bateu a saudade de voltar para o Uruguai. Ali ganhei um pouco mais de dinheiro. Estava há muito tempo fora, tinha saído chateado do Brasil, estava com 31 anos... voltei para o Nacional. Mas aí o clube estava com outro tipo de cabeça, tinha mudado tudo, o pensamento deles era muito físico. Corria como um louco e nunca jogava. Aí que o São Paulo quis me comprar de novo. Eles estavam jogando a Libertadores em 1982, o Minelli [Rubens] era o técnico, que era do Inter, quando eu jogava no Grêmio. Acertei com eles. O Dario Pereyra era o outro zagueiro, queriam fazer a parceria uruguaia. Fiquei felicíssimo. Eles jogariam dois jogos na Argentina e depois me pegariam para voltar ao Brasil. Naquela semana torci o joelho e aí me enfaixaram por 15 dias. Quando vieram me buscar, se surpreenderam que eu estava mancando. Disse que era apenas uma torção, em uma semana estaria resolvido. Então eles disseram que precisavam para um jogo em São Paulo naquela semana e que para depois não 'interessava'. Saí do hotel e larguei o futebol. Parei.

ON - Depois você ainda tentou ser treinador?
Ancheta - Fiquei mais um tempo no Uruguai sem fazer nada. Chateado. Resolvi voltar ao Brasil. Tentei entrar nas categorias de base do Grêmio.Enrolaram e não me deram oportunidade. Daí me separei do futebol. Foi muita desilusão. Mas continuo com a mesma postura. Importante é você ter o teu reconhecimento. E a torcida, que também reconhece.

ON - Mas o futebol não quis ficar longe?
Ancheta - Fui morar em Ingleses-SC e o Sérgio Lopes [ex-jogador catarinense do Grêmio] morava lá. Estava no jardim e ele passou de bicicleta. 'Você não é o Ancheta?'. Ele ficou supercontente de ter me encontrado. Disse que precisava conversar com alguém que tivesse influência sobre jogadores. Ele estava treinando o Avaí e o time não vencia o catarinense há 13 anos. Estava formando o grupo e precisava de alguém para ajudá-lo. Futebol eu não tinha deixado de gostar. Estava magoado lá por Porto Alegre. Aceitei o convite e deu certo. Começamos a trabalhar e foi maravilhoso, porque saímos campeões em 1989.

ON - E como surgiu essa oportunidade agora?
Ancheta - Tive a oportunidade agora. Sempre tive escolinha de futebol, faz 15 anos, em Porto Alegre, e por último em Santo Antônio da Patrulha. Fui assaltado em 1992 na minha própria casa, na Capital. Foi um momento difícil das nossas vidas e decidimos ir para Santo Antônio, cidade da minha segunda esposa. Mas sempre treinando times em campeonatos municipais, regionais, porque isso dá uma experiência muito boa de conhecimento de grupo. Os convites chegavam sempre depois que perdiam o primeiro jogo. Depois transcorria e éramos campeões. No outro ano era o mesmo jeito. Conhecia o time em andamento e saíamos campeões. Mas nunca me decidi ser técnico profissional. Minha esposa sugeriu que eu voltasse ao futebol. 'Você tem conhecimento, tem nome, tem personalidade, parte pro futebol'. Falei com o Noveletto [Francisco, presidente da Federação Gaúcha de Futebol] e alguns empresários. Em seguida recebi essa oportunidade. Acertamos fácil, porque minha pedida era pequena. Quero recomeçar essa trajetória.

ON - Como é voltar e recomeçar aos quase 60 anos?
Ancheta - Acho que nunca é tarde. Tenho uma aparência física muito boa, sou uma pessoa que me cuido muito, me relaciono bem com todo mundo e tenho certeza que, se colocarem um bom plantel a minha disposição, farei um grande trabalho. Tenho certeza. Sei que vamos ter dificuldades devido aos problemas financeiros, mas temos que correr esses riscos. Tenho certeza que meu trabalho vai ser visto.

ON - Como você vê o tratamento que o ídolo do futebol recebe?
Ancheta - Às vezes, as pessoas pensam que a gente ganha muito dinheiro, que teve tudo. A gente tem dificuldades também e hoje em dia nós temos que continuar procurando, porque aqueles jogadores que éramos ontem não recebiam grandes fortunas como se ganha hoje. Os que se deram bem é porque investiram num comércio, em alguma coisa importante. Estão trabalhando e isso deu lucro para eles. Senão estariam do mesmo jeito que nós todos estamos. Com dificuldade, lutando, trabalhando, para que as coisas aconteçam. E outros se deixaram cair demais por causa da falta de incentivo. O que é uma injustiça, porque eu acho que pelo que o jogador de futebol dá, ele tinha que ter alguma proteção. O jogador não está preparado para deixar de jogar futebol, mas as federações, instituições, os clubes, não se preocupam. Acho que seria interessante que esses grandes jogadores de futebol de hoje, que ganham milhões, pudessem manter uma quota para dar para aqueles que estão mais necessitados, não para mim, graças a Deus. Tem muitos jogadores por aí que deram alegrias e estão na miséria. As pessoas falam 'Ah, jogaram tudo fora.' Todo mundo fala de Claudiomiro, uma excelente pessoa, que ele foi para a bebida, mas ele passou uma dificuldade muito grande, não ganhou tanto dinheiro assim. Acredito que até eu, o Figueroa, temos dificuldades, continuamos como ídolos, mas temos que trabalhar. Eu achava que poderia haver uma aposentadoria, alguma coisa, mas é muito dificultoso (sic).

ON - Você acredita que isso pode mudar?
Ancheta - Deveria mudar por que você tem o país, a torcida. Você tem uma imagem para o público e seria importante que isso continuasse vivo para o resto das suas vidas. Não uma imagem de degradação como muitos jogadores tem por aí. Fico sentido com isso [nesse momento Ancheta faz uma pausa longa e não consegue conter as lágrimas]. Sou muito sentimental. Mas acho que as coisas podem mudar.

Foto: Grêmio.Net

Um comentário:

  1. Paulo, belíssima entrevista, continue assim, logo estará na Don Balón

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