Na primeira parte da entrevista com Ancheta, o ex-jogador fala sobre o início da carreira e sua ascensão ao posto de melhor zagueiro do mundo com a camisa celeste
Paulo Roberto D'Agustini/ON
O Nacional - Como iniciou a sua carreira no futebol?
Ancheta - Morei em Florida [cidade histórica do Uruguai, onde foi declarada a independência do país] até meus 14 anos. A família Ancheta era muito conhecida no futebol. Meu pai jogou muito, era ponta-esquerda. Meus irmãos maiores, sou o caçula, também jogavam bem. Três deles foram trabalhar em Punta del Este e jogar futebol, bem jovens. Um dos meus irmãos chegou a atuar nas categorias de base do Nacional e na 1ª Divisão pelo Cerro-URU. Ele sempre dizia que tinha um irmão menor que jogava muito e que se lhe conseguissem um emprego, ele viria jogar. Deu certo e fui jogar pelo Club Punta del Este e trabalhei no Parador Praia Brava.
ON - Dali para o Nacional foi um tapa?
Ancheta - Eu fazia muitos gols, jogava de centromédio, era magro, alto, corria muito, então os próprios dirigentes do Punta, o Toto Carratu e o Flaco Gonzales, decidiram que eu não podia ficar lá, tinha que ir para uma categoria de base de Montevidéu. Um deles torcia para o Peñarol e o outro para o Nacional. Decidi ir para o Nacional primeiro, porque era torcedor do clube. Se não desse certo, tentaria o Peñarol. Jogando na rua, em Florida, eu sempre dizia que era o Emilio Alvarez, zagueiro uruguaio do Nacional, que tinha uma técnica maravilhosa. Comecei a treinar no clube com dificuldade, era junho, havia muita chuva, era magro, corria muito e o campo era pesado. O técnico San Vicente, uma figura muito conhecida dos futebolistas uruguaios, disse-me após 15 dias de testes: 'Ancheta, meu amigo, conhece muito futebol, você deve jogar muito bem, não acredito que você seja tão ruim.' Pensei: 'Vou embora.' Mas ele continuou: 'Por eles vou te deixar mais 15 dias.' Agradeci e continuei treinando normalmente porque achava que estava bem. Então ele começou a me testar em diferentes posições até chegar a zagueiro. Passou os 15 dias e acabei ficando como suplente. Só que o titular pela direita se machucou para a estréia do campeonato. Joguei o primeiro jogo logo contra o Peñarol. Ganhamos. Fui eleito o melhor em campo. Quando o zagueiro titular voltou, foi para o lado esquerdo, como meu companheiro. Tinha 16 anos.
ON - E você jogando da mesma maneira?
Ancheta - Sempre procurei jogar aquele mesmo futebol do tempo de Florida. No início foi difícil, mas depois as pessoas começaram a me elogiar e eu pensava 'Será que joguei tão bem assim?' E assim foi a minha vida, sempre elogiado, mas sempre com uma autocrítica muito grande. Tanto que nas duas vezes em que fui expulso em toda a minha carreira foi por que me xinguei e o juiz entendeu que tinha sido para ele. Na primeira eu recém havia começado pelos profissionais contra o Cerro-URU. Dois jogadores mais velhos começaram e brigar. Fui separar e acabei expulso. A outra foi contra o Vasco, pelo Grêmio. A bola estava no meio campo e o Dinamite tocou por cima de mim. Botei o corpo, mas podia ter girado e ido atrás dele, por isso me xinguei. O árbitro pensou que tinha sido para ele.
ON - Você procurava ser diferente dos demais zagueiros sul-americanos?
Ancheta - Eu gostava de jogar tecnicamente. Gostava de jogar futebol. Dentro do regulamento. Meu pensamento era assim 'Se passaram por mim é porque são melhores que eu'. Claro, eu botava o corpo, era firme, às vezes até exagerava, mas na maioria das vezes pensava em jogar meu futebol. Tinha muita gente ao meu redor que batia muito e eu saia mais jogando, porque aprendi a ser um zagueiro mais técnico com o Emilio Alvarez, que acabei jogando ao lado, e também o Jorge Manicera, outro jogador maravilhoso, que não cabeceava, parava a bola no peito e saía jogando, e ele não era tão alto. Esses dois foram meus espelhos.
ON - E como foi defender a seleção celeste?
Ancheta - A seleção, como tudo na minha vida, foi uma surpresa. Trabalhava muito, corria muito, mas mesmo assim achava que não merecia. Sentia-me bem fisicamente e achava tudo aquilo fácil. Mas não admitia isso dessa forma. Mesmo assim continuava simples no meu pensamento. Fui chamado para as eliminatórias. Eram oito jogadores do Nacional, dois do Peñarol e um do Defensor. Nos classificamos para a Copa, no último jogo, contra o Equador no Centenário, com um gol meu de cabeça, em um cruzamento do Cubilla, aos 43 minutos do 2º tempo. Foi maravilhoso.
ON - A Copa de 1970 seria o primeiro e maior desafio da sua carreira?
Ancheta - Foi o primeiro desafio na seleção e o único. Depois tive problemas para ir à seleção. O Grêmio não me liberou e aconteceram coisas que foram muito ruins para a minha carreira. Poderia ter saído, ganhar mais dinheiro, estar melhor hoje em dia. Poderia ter me transferido para outros clubes, mas não queria, porque pensava muito amador. Não queria sair porque acreditava que tinha que ganhar campeonatos pelo time que me contratasse. Era muito orgulhoso nesse aspecto e, às vezes, as coisas não são assim. Muitas vezes a vida nos leva a ter outro tipo de pensamento. Eu tive as oportunidades e não as quis, e quando queria, elas não vieram.
ON - Mesmo assim, outro motivo fez aquela copa inesquecível?
Ancheta - Claro, ter sido eleito melhor zagueiro da copa foi maravilhoso. Fui para o México treinando muito, sabendo que era titular, mas tinha que batalhar bastante. Era a primeira vez que eu ia a um campeonato mundial. Mas estávamos confiantes. Tínhamos uma boa equipe. Nos faltava apenas um centroavante. Pedro Rocha, que era meio-campo, e atuaria como centroavante, machucou no primeiro jogo. Depois Victor Espárrago, que também era centromédio, foi para o ataque.
ON - Para o Brasil aquela semifinal foi uma revanche de 1950. E para vocês?
Ancheta - Encaramos o Brasil com respeito, porque sabíamos que era uma grande equipe, que estava indo muito bem, mas nós sabíamos que também nós tínhamos nos classificado bem e que seríamos respeitados. Tanto que o jogo foi difícil, mesmo que o placar tenha sido 3 a 1. Se você analisar todo o jogo as dificuldades foram iguais, os gols do Brasil foram em algumas oportunidades e nós perdemos outras muito claras. Quando estávamos ganhando, podíamos ver o semblante assustado dos brasileiros. Conseguindo fazer o primeiro gol, eles respiraram. Nós tínhamos jogado 120 minutos na chuva contra a URSS nas quartas-de-final e chegamos um dia antes a Guadalajara. Saímos da altitude, com uma temperatura de 15º, e fomos para 35º ao nível do mar. Isso nos debilitou muito.
ON - Tamanha era a marcação, que Pelé acabou perdendo o controle.
Ancheta - Não foi por que ele foi bem marcado não. Foi sacanagem do Fontes mesmo. Até porque não tinha como marcar o Pelé individualmente. Fiz uma falta nele na entrada da área. Quando levantei, ofereci ajuda. Não foi uma falta forte, Pelé cavou um pouco também. Ele pegou a minha mão e apoiou a outra no chão. O Fontes passou e pisou em cima. Pelé olhou e ficou quieto. Eu disse 'não dá bola, foi sem querer.' Ele acabou revidando com um cotovelaço. Foi muito inteligente. Fontes foi dar um carrinho para roubar a bola, e o Pelé na queda deixou o braço. O Fontes chegou a levantar as pernas. O juiz não viu e ainda foi marcada falta contra a gente. Acho que ninguém sabe desse pisão do Fontes. Mas eu vi.
(segue na próxima postagem)
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008
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Confesso que n�o sabia da metade do que ele contou na entrevista.
ResponderExcluirMuito Bom Paulo.
Abraco
Potter