Sete de setembro de 2006. Dia da Independência do Brasil. Treze horas e quarenta e cinco minutos. Horário de saída de Passo Fundo. Destino: Caxias do Sul. No dia em que normalmente se aproveita para descansar e curtir o “feriado” Tales se prepara para a sua jornada de trabalho. Não temos como determinar a sua carga horária, mas como atleta podemos dizer que ele está em permanente atividade.
O hoje árbitro de futsal credenciado pela Federação Internacional de Futebol, quando mais jovem, nas peladas com os amigos, sonhava em ser o centroavante, o goleador da equipe. Quisera o destino que Tales Goulart e sua pouca habilidade o levassem para a goleira, ou mais frequentemente para o apito. Instrumento que o levaria pelo mundo e não o separaria de sua maior paixão: o futebol. Negando que os árbitros sejam jogadores de futebol frustrados, assim como os jornalistas esportivos, que sofrem do mesmo rótulo. Pelo menos as suas minorias.
As equipes da Universidade de Caxias do Sul e de Horizontina, a John Deere, disputam à liderança da Série Ouro, primeira divisão do futsal do Rio Grande do Sul. Jogo encardido segundo a gíria futebolística. Tales, que já teria uma agenda cheia para o feriado, recebe o chamado na noite da véspera, vindo do sorteio da escala da Federação Gaúcha, para o jogo na serra. Apitaria três jogos de outros torneios no dia seguinte. Para eles teve que convocar amigos árbitros de Carazinho e da região. Tem que dar prioridade para os jogos oficiais, para segundo ele “não se queimar com os caras”. Afinal de contas os “juizes” não trabalham como autônomos. Tampouco como profissionais liberais. Atuam no “meio-campo”: estão ligados as federações, mas podem apitar outros embates.
Desde março, Tales já correu 25000 quilômetros. Ou melhor, percorreu. Esta quase sempre na estrada. As manutenções no carro, próprio, são sempre por sua conta. Em jogos oficiais recebe o valor da gasolina. A vida não é rotina para este profissional formado em educação física, que também levantou vôos bem maiores. Esteve no Japão para apitar um torneio da Fifa. “Se ganha pouco, tem que se virar, mas talvez só o futsal poderia ter me proporcionado isso”.Ele fomenta sua atividade organizando campeonatos municipais e torneios amadores na região do planalto, uma vez famoso celeiro de craques das quadras, hoje tocado por poucos abnegados do esporte como ele.
Dezessete horas. Chegada em Caxias do Sul. Parada para um café. “Às vezes é bom não ser reconhecido”.Como numa cidade onde após o jogo tiveram que correr para não ser linchados. Ele acabou levando apenas um soco no rosto, perto da sacolada de pedras que seu colega levou na cabeça. O futebol-arte às vezes tem traços toscos. E comerciais, estrelando Falcão, “o melhor jogador de futsal do mundo”. O provocativo jogador humilhava seus adversários deslealmente em certo jogo. Houve revide. O árbitro interviu e expulsou ambos, inclusive o primeiro para poupá-lo do sarrafo. Suspensão? Apenas para o árbitro Tales Goulart. Segundo ele houve pressão dos fortes patrocinadores de Falcão. Também tem dessas coisas.
Chegada ao local da partida: o campus universitário da UCS. Na mesma hora estaciona o ônibus do time visitante, a John Deere. Jogadores e comissão técnica da equipe de Horizontina demonstram carinho e respeito pelo árbitro que retribui. O clima é de camaradagem e bom humor. “Vamos ver se continua durante o jogo”. Do outro lado, dirigentes caxienses iniciam uma leve pressão antes do jogo, que Tales garante ser normal “os caras às vezes são chatos pra...” Para o jogo também há mais um árbitro vindo de Porto Alegre, um mesário, uma cronometrista e o delegado da partida, diretor dos árbitros e “chefe de Tales”.
Eles entram no vestiário para colocar os uniformes e fazer uma breve reunião. Logo após vão à quadra para o aquecimento e conferência das redes das goleiras, das bolas, do piso, enfim, de todos os detalhes do espetáculo. Pontualmente às dezenove horas começa o jogo que tem um início morno e que durante vai ganhando calor e intensidade. Ao final o empate em três gols demonstra a tensão do jogo que teve duas expulsões da John Deere. Tales em dado momento teve que ser enérgico e firme nas marcações, qualidades exibidas durante a partida inteira. No encerramento ainda teve que ouvir reclamações de ambos os lados na ida para o vestiário “algumas respeitosas é verdade”.
Além do cansaço, resultado de quase uma hora de partida e da quilometragem para Caxias do Sul, é preciso ter tranqüilidade para o estresse psicológico dos jogos. E ainda um “sprint” final para dirigir de volta para casa. “Já estou bastante acostumado. Ruim é conhecer os bons lugares para jantar e esquecer a forma física”. Tales já pensou em ir para o futebol de campo, mas hoje possui boa reputação dentro das quadras. Sem falar no gosto pelo saudoso futebol de salão, tão apreciado no pampa. E ele garante: “podem até me xingar, agora, a minha mãe é uma santa!” (risos).
sexta-feira, 29 de junho de 2007
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